segunda-feira, 11 de fevereiro de 2008

Pior do que a inveja

Artigo do jornalista Vicente Serejo, publicado no dia 11.02.2008, no Jornal de Hoje.

Pior do que a inveja, só a ingratidão. Aliás, como já disse tantas vezes, o ingrato tem câncer na alma. Quem é capaz da ingratidão é capaz de tudo, inclusive de vender a mãe. Mas, na inveja, pelo menos, há coisas interessantes que explicam o sentido mórbido da alma humana. Outro dia a cronista Ana Cristina Reis, na sua coluna de O Globo, comunicou que havia descoberto o sentido da palavra Schadenfreude, de origem alemã, e que um dia leu num livro de Arthur Schopenhauer.

E logo explica, com toda singeleza e perfeição desse mundo, afinal os cronistas são assim mesmo, superficiais e rápidos em tudo: ‘É uma junção, bem ao estilo aglutinador alemão, Schaden (prejuízo) e Freude (alegria) que significa alegria pelo prejuízo alheio’. Isso tudo só para dizer a frase de Schopenhauer: ‘Sentir inveja é humano, gozar da schadenfreude é diabólico’. Ora, e é. E certamente choca muito mais do que a inveja lividamente vertida pelos olhos com os seus punhais.

Digo não por mim que nada tenho para ser invejado, principalmente grana e glória, azeites nobres de todas as invejas. Mas por alguns amigos que pagam o preço da vitória. Nenhum sonho humano pode ser mais nobre do que vencer uma luta justa. Do homem da caverna aos gladiadores de Roma, a luta só enobrece. É do imaginário humano. Mas, os louros da vitória, de uns tempos para cá, perderam o dourado da glória para o azinhavre dos que não suportam a vitória dos outros.

No mundo do consumo há alguns ícones especialmente fortes para deflagrar o sentimento da inveja. O carro, por exemplo. Nem é o preço o que fere. É a marca que faz o ícone e cria o novo monstro. Uma Mercedes, por exemplo, não é apenas um automóvel. Se fosse, e sendo menos caro do que outros outros, não seria a mistura infernal de amor e ódio que gera a inveja. Tê-lo e, mais que isto, ostentá-lo como uma nave a deslizar pelas ruas da cidade, é cutucar o cão com vara curta.

Tenho um amigo que já teve sua Mercedes citada em palestras, intrigas, autos de processo nos quais não estava envolvido, em tudo. Não exerce cargos em nenhuma das esferas públicas ou privadas, não presta serviço a governos e não constrói obras, mas seu carro tem sido personagem de histórias e estórias. Um outro, de tanto ser seguido pelo olhar perverso do mundo, não suportou e acabou vendendo. Hoje usa um mais caro, mas em compensação com jeito grande e anônimo.

Tudo isso vem desse fenômeno humano que nasce na alma e opera no centro do cérebro, o tal do schadenfreude. Esse vício mórbido, mistura da alegria com a desgraça, aliás tão comum no sentimento humano nesses tempos de exacerbadas competições. Não é tão terrível assim como a ingratidão, afinal o ingrato é traidor de si mesmo, vítima de um câncer que destrói a alma e vai pouco comendo tudo. A inveja é só a ferida da incapacidade de amar. Chaga que não fecha nunca.

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