domingo, 27 de janeiro de 2008

Brasileiro: Profissão Esperança

A idéia do espetáculo surgiu inicialmente em 1969, quando a cantora Maysa planejava um revival ao teatro ao lado de Ítalo Rossi, seu antigo parceiro na TV Tupi onde ela cantava e ele declamava. E reparar uma injustiça do passado , dando um lugar importante e merecido à Antônio Maria e Dolores Duran, defenestrados pelas novas gerações da Bossa Nova. A cantora sempre considerou a dupla sofisticada. Dessa tentativa de ver com novos olhos a obra de Maria e Dolores que nasceu Brasileiro: Profissão Esperança. O texto foi produzido praticamente a quatro mãos por Maysa, Bibi Ferreira e o seu marido na época Paulo Pontes, resgatanto a obra dos artistas através de colagens de poemas, crônicas, reminiscências e músicas. Maysa chegou a anunicar que estava ensaindo o espetáculo, porém ela nunca levou aos palcos a homenagem aos amigos Maria e Dolores.

O título do espetáculo era citação de uma frase antológica de Antônio Maria, falecido em outubro de 1964, de um ataque no miocário: "Antônio Maria, brasileiro, cansado, 43 anos, cardisplicente. Profissão: esperança"

Em 1970, ano em que o cenário musical brasileiro era dominado pela música de protesto e por uma geração de compositores influenciados pelo tropicalismo. No entanto naquele mesmo ano, estreava no Teatro Casa Grande, no Rio de Janeiro o espetáculo "Brasileiro Profissão Esperança", estrelado por Maria Bethânia e Ítalo Rossi, direção de Bibi Ferreira e Flávio Rangel, recordando para o grande público as obras de Antônio Maria e Dolores Duran, numa mostra de que sempre haverá espaços para canção que fala de amor.

Em 1974, acontece uma remontagem do espetáculo com sucesso total e temporada recorde de quase um ano lotando o Canecão, no Rio de Janeiro, com Clara Nunes cantando as músicas e Paulo Gracindo recitando os textos. Dirigido novamente por Bibi Ferreira. Foi gravado ao vivo e lançado em CD, mas está esgotado, em todo canto, portanto uma relíquia. Sem dúvida uma das coisas mais bonitas já produzidas na música e literatura brasileira.

Paulo Gracindo, homem de arte, seja no rádio, teatro, televisão ou cinema, confere extraordinária força dramática aos textos de Antonio Maria, jornalista admirável que, manteve por 13 anos uma das melhores colunas da imprensa brasileira no vespertino "Ultima Hora". As crônicas daquela fase feliz de boêmia e música foram reunidas, após sua morte, no livro "O Jornal de Antonio Maria", hoje, esgotado. Antônio Maria sempre teve a solidão dentro de si. Segundo Lira Neto, o talento de Antônio Maria era maior que a sua língua. Clara Nunes, sambista sempre segura e versátil, sempre foi considerada uma das maiores intérpretes de samba do país.

Comentários

"Não é preciso dizer nada sobre o espetáculo, é maravilhoso!" (Chico Buarque)

"Clarinha está iluminada" (Sérgio Cabral)

"É um espetáculo grandioso, verdadeiro, comovente!" (Maysa)

"O que havia de melhor em Dolores Duran e Antonio Maria" (Mario Lago)

"É a palavra voltando a ter status, força e importância" (Arthur da Távola)

Oração, de Antônio Maria, escrito em 30.03.1954
"Rosinha Desossée, me tire desse quarto de hotel e de todas as coisas que entram pela janela; me leve para longe das palmeiras, mais longe e perto das coisas mais macias; me faça esquecer (depressa) os homens ruins — isto é: os que gostam de cebola crua; me ensine, Rosinha Desossée, tudo o que eu não aprendi: a cortar com a mão direita, a usar anel, a tocar piano, a desenhar uma árvore e valsar; e me lembre do que eu esqueci — raiz quadrada, (as mais ordinárias), frações, latim, geofísica e "Navio Negreiro", de Castro Alves; depois, me dê, pelo bem dos seus filhinhos, aquilo que eu não tenho há quase um ano, carinho — de um jeito que eu não sei dizer como é, mas que há, por aí ou, pelo menos, já houve; destelhe a casa, deixe a noite entrar e, juntos, vamos nos resfriar; espirre de lá, que eu espirro de cá... agora, cada um com a sua bombinha, inalação, inalação; lado a lado, sentemos, os dois de perfil para o ventilador; minhas mãos e as suas não são de ninguém, entendido?; se interesse por mim e pergunte o que eu sei, que eu quero exclamar, no mais puro francês: "oh!"..."comment allez vous"? (...) de um jeito ou de outro, me tire daqui, pra Pérsia, Sibéria, pro Clube da Chave, pra Marte, Inglaterra, sem couvert, sem couvert; está vendo o retrato dos meus 20 anos? de lá para cá, cansaço, pé chato, gordura, calvície fizeram de mim essa coisa ansiosa, insegura e com sono, que pede a você, no auge do manso: você, Desossée, não saia esta noite e fique, ao meu lado, esperando que o sono me tome e me mate, me salve e me leve, por amor ao teu andar, assim seja..."

Lista de música do espetáculo:
1. Estrada do Sol
2. Valsa de uma Cidade
3. Ternura Antiga
4. Por Causa de Você
5. Ninguém me Ama
6. Menino Grande
7. A Noite do Meu Bem
8. Fim de Caso
9. Frevo Número Dois do Recife
10. Manhã de Carnaval
11. Castigo
12. Suas Mãos
13. Solidão
14. Se eu Morresse Amanhã de Manhã
15. Pela Rua
16. Noite de Paz (dá-me senhor)
17. Canção da Volta

* Texto escrito por Amaury Júnior

Referência

Neto, Lira. Maysa Só numa multidão de amores. São Paulo: Globo, 2007.

Um comentário:

Galex disse...

Tenho o LP e o CD.
Importa dizer que o show não está completo na gravação, pois falta a parte final.
Ouça aqui a Clara cantando um trecho dessa parte que não foi pro disco:
https://youtu.be/-jsfEjywRqw