domingo, 30 de dezembro de 2007

É festa, é festa, menino Deus

Artigo do jornalista e produtor cultural Amaury Júnior, publicado no jornal Correio da Tarde no dia 26.12.2007.

Como diz o ditado, devemos dar a César, o que é de César. Pois bem, no último domingo, 23, tive o imenso prazer de assistir o Auto Natalino intitulado "A Festa do Menino Deus", com o texto primoroso baseado na obra do dramaturgo e homem de teatro Racine Santos, com uma concepção artística impecável de João Marcelino, como sempre nos surpreendendo com tamanha simplicidade do seu inegável talento artístico, isto é o que marca na beleza de seus trabalhos. E ainda na equipe, a dignidade que Dimas Carlos, responsável pela concepção coreográfica externa nas coreografias simples, porém de muito bom gosto e muito bem realizadas pelos quadrilheiros, incumbidos de ser o termômetro de emoção do espetáculo, coisa que dificilmente bailarinos fariam com tamanha naturalidade, força e vontade. Por último quero enaltecer a direção cênica do jovem experiente e competente João Júnior, onde pude perceber em cada ator um pouco da sua direção peculiar, pude também sentir, seu toque, seu jeito e sua marca no que tange a um espetáculo desta grandeza.

O figurino traduziu fielmente a intenção do universo do teatro nordestino, conforme a obra de Racine Santos. O que predominou foi a xilogravura, que este ano está completando 100 anos. A inspiração para todo este vestuário, João Marcelino foi buscar nas suas diversas pesquisas pela cultura popular do RN. É de extrema importante ressaltar a utilização de estampas primorosas em diversos vestuários. O preto e o branco predominaram nos figurinos dos brincantes e a xilogravura está explicita e muito bem aplicada no figurino da romanceira interpretada por Krystal, que me deixou embevecido com seu talento e capacidade de se reinventar, sem dúvida ela é a grande revelação, além de grande cantora, se destaca como uma excelente atriz.

A cenografia pretendia oferecer ao público informações visuais que ilustrassem com mais objetividade a narrativa dramática, e conseguiu com total simplicidade, marca do espetáculo. A fachada da Pinacoteca do Estado foi tomada por imagens das capas dos folhetos de cordéis, projeções animadas de pinturas do artista plástico Arruda Sales, imagens criadas pelo artista gráfico Wilberto Amaral, desenhos de luz com movie light do iluminador Daniel Rocha, sombras chinesas, projetadas em imensos painéis brancos. O que mais me chamou a atenção do início ao fim do espetáculo foi que as imagens interagiam com as cenas no palco, juntamente com a trilha sonora que fizeram uma casadinha emocionante, com músicas originais criada pelo jovem músico da Orquestra Sinfônica do Rio Grande do Norte, Willames da Costa, que fez sua estréia como músico de trilhas para teatro. Um ponto positivo para este auto, a revelação de novos talentos no mercado.

A cultura popular é referência importante na encenação e nas danças que fazem parte do espetáculo. A intenção foi literalmente fazer o público rir e se emocionar, e esta intenção foi atingida com maestria. Desde o início com as criancinhas até as interpretações emocionadas de atores como o jovem Gleydson Almeida, que mais uma vez mostra ser a grande promessa do teatro potiguar. Sônia Santos, que estava visivelmente emocionada, fez sua presença marcante interpretando Isabel. Outro destaque é Bira Santos, que surpreende do início ao fim. O espetáculo contou com 15 atores e 120 quadrilheiros em cena. O nascimento do menino Deus, com utilização de tecidos azuis, artifício muito utilizado por Moncho Rodrigues em seus espetáculos, foi outro ponto que chamou a atenção com tamanha beleza cênica. No âmbito das interpretações a única coisa que deixou um pouco a desejar foram os três reis magos, estavam muito caricatos, as maquiagens estavam um pouco carregada, o figurino era um tanto alegórico de mais. E as bandeiras com cores fortes: lilás e rosa. Os exageros beiravam um tremendo equívoco. Sabemos que nada é perfeito.

Outro ponto importante no tocante às interpretações, foi a participação mais que especial do grande ator mossoroense Marcos Leonardo, interpretando o Coronel José Rodes. A vinda dele para o espetáculo mostra o quanto é importante à interação artísticas de Natal e de Mossoró. Não é a primeira vez que Natal vem dando o braço a torcer e tenta cessar a famosa celeuma cultural com a capital do auto-oeste. Outro fato parecido ocorreu quando a atriz mossoroense Tony Silva participou do Auto do Natal em 2004. O que há ainda é uma certa resistência por parte do mercado cultural mossoroense. Ferida que acredito ser sarada em curto espaço de tempo. O que podemos perceber neste momento é que a capital do estado começa a dar a volta por cima e reagir na produção cultural, e tenta buscar seu lugar ao sol no cenário cultural, antes tarde do que nunca.

Fica subentendida no espetáculo a homenagem as duas principais festas cíclicas (festas relacionadas a nascimentos) do Rio Grande do Norte, que é o São João e o Natal, daí a real importância de se ter membros de quadrilhas juninas de Natal, dando vida a um grande coro de brincantes (toda pessoa que dança folclore ou danças populares) levando muita alegria ao espetáculo. As coreografias costuram o espetáculo como se fosse grandes retalhos de tecidos formando uma imensa cocha.

Aproveito para parabenizar o investimento da ordem de 400 mil reais na realização deste espetáculo, pelo Governo do Estado, através da Fundação José Augusto. E também para registrar que este espetáculo foi montado em menos de 30 dias, e o que pudemos perceber é que houve talento de sobra para tamanho desafio. E a noite só poderia terminar iluminada por um show pirotécnico, emocionando ainda mais, os que dali saíram com almas realizadas das mais belas doses de arte e cultura de nosso povo. Jesus da lapa, Jesus da lapa, Jesus da lapa, nós viemos triunfar...

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